sexta-feira, fevereiro 28, 2014

À avó

Os tempos já não eram fáceis. O cérebro há muito que se comprometia com o presente e o futuro já nem existia. Vivia, porque tinha que esperar pela hora. Aquela hora marcada num dia de chuva.

Sei que gostava de mim, mesmo que nestes últimos anos já não soubesse com toda a certeza o que eram sentimentos. Eu também gostava dela à minha maneira. Pelos doces de criança, pelas faces rosadas iguais às minhas, pelo feitio também tão idêntico. Era querida e alegre.

Lembro-me de lhe dar catequese ao sábado. Lembro-me de ela adormecer a rezar o terço. Lembro-me de ela comer às escondidas. Lembro-me de ela desejar a outra vida algumas vezes. Lembro-me do cantor favorito dela. Nas últimas conversas perguntei-lhe se ela sabia quem era Deus e se ele existia. Disse-me que sim às duas.

Hoje foi o final da vida dela. Aquele final que não se aprende na escola, nem em nenhum dos contos que lemos por lá. Hoje enquanto ouvia o Padre, achei que não fará mal acreditar no que ele disse. Acreditar que a vida é uma poesia e que neste fim começamos uma nova vida. Deixamos de viver numa tenda frágil e passamos para uma casa segura.
Hoje acredito nisto. E acredito que Ele te acolhe por sempre acreditares. A fé é isto mesmo.

Desculpa a distância em tudo. Quando crescemos ficamos assim. Parvos e egoístas.

Aí do céu, lê poesia para mim e reza por nós e por um mundo feito de Homens de coração.

Eu vou continuar a minha corrida de miúda à procura de um caminho feliz.