sábado, março 22, 2008

Puro engano


Sentado naquele banco estava inconstante ao querer e ao não querer. Afagava cada momento como se do último se albergasse, e beijava-o com todo o ímpeto de um momento inefável. Depois pensava no tempo do tempo que ali estava, estupefacto ao lago sem vida e às árvores despidas. Não conseguia mais do que conceber meros rabiscos mentais do que quer que pensasse, porque o cálculo de tudo e até do tempo já tinha partido com o vento e com os assobios. Agora, era só o agora que subsistia aos ritmos exagerados das ideias dos que raramente passavam por aquele banco, um banco escondido do quase mundo entreaberto em tons de não sei de que cor. Mesmo sem uma tonalidade definida por certo, ele osculava e abraçava tudo quanto recebia com os olhos e com as mãos. E demorava-se... Demorava-se no êxtase daqueles momentos indeléveis sem notar que o tempo é um simples acessório ao fragmento da vida.

P.S. *Um dia, alguém pediu ao Tempo para parar o tempo e o Tempo perguntou: por quanto tempo?

*Boa Páscoa para todos os que me lêem :)

segunda-feira, março 17, 2008

Plim


O meu cérebro pede descanso.
Plim.
De tudo o que pesa.

Plim.
O meu cérebro pede descanso.

Plim.
De tudo o que pensa.
Plim.

O meu cérebro pede,

Plim,

Descanso.

Apenas descanso.
Plim.

P.S. *Quadro de Georges Braque

quarta-feira, março 12, 2008

as minhas palavras


Há palavras que se perdem. Perdem-se em tudo: no tempo, no espaço, no pensamento, na fala. Perdem-se como se fossem partículas de nada, como se não fossem importantes, como se os pormenores não fossem essenciais para a compreensão de coisas. As palavras perdem-se nos assobios do vento, na luz da luz e na água que evapora. Elevam-se e misturam-se no escuro do céu. Ainda assim, tenho algumas comigo; não sei se são muitas ou poucas: são as que me ficam e que não se perdem. É com estas que desenho frases e bordos textos. É com estas que me conheço e me melhoro. São elas que dão sabor ao que sinto e vivo.
São elas... as minhas palavras.

P.S. Só espero que elas tenham um sentido hoje, amanhã e depois.

segunda-feira, março 03, 2008

Enlace: Do céu ao Mar



Gota de chuva, voas tu sob os suspiros de vento, ergues-te e levitas sem temer a reacção de todos estes elementos que a mãe natureza nos concedeu. Escreve-se nos céus, suspiro das lágrimas de vida, que o medo não te possua, vamos escrever a passagem das nossas vidas.


O medo não me possui, sou eu que o possuo às vezes. Hoje é diferente. Quero deixar marcas presentes neste céu que ergo no auge para deixar cair, lentamente, pequenas gotas invisíveis de palavras. E estas, apenas estas, fazem parte deste agora. A passagem de tudo é como as ondas daquele mar que aconchega sussurros nunca antes ouvidos. Antes que a voz se cale ou enfraqueça, vamos escrever a passagem das nossas vidas.


Dos céus revelando os seus encantos, vai-se descrevendo em anonimato; entre pensamentos e devoções vou entendendo nestas linhas a voz das suas exaltações, os segredos encantados e declaradamente apagados dos seus pensamentos. Sente este mar, olha à tua volta, tantas gotas, tantos segredos, tantas companhias desejadas, tantos aconchegos e tanta solidão, junta-te neste grande mar... Torna-te desejo, abraça as gotas dos teus sussurros…


O meu olhar é capaz de ver e sentir tudo isso; até sente mais além: vê o fundo deste mar. É tranquilo e isso apazigua o que há cá dentro… O barulho das gotas a cair já não incomoda, o segredar dos segredos já não existe. Só há desejo, desejo de abraçar estas gotas que me aparecem nas mãos, sem euforia ou distorção. Elas aparecem, porque hoje há o desejo de me juntar a este grande mar e de me enlaçar na voz dos meus surpresos sussurros.


Na chegada a bênção das boas vindas, aclamando suspiros de felicidade, sensação de uma casa habitada nunca antes deixada pelos instintos fortes da sua emoção. Instala-te nestas belíssimas barreiras de coral, divaga entre sonhos e desejos... agora conta-me em palavras de mansinho, ainda no presente te agonia a dolorosa permanência da solidão?


Não sei bem. Não sinto bem. Ela só aparece quando não estou dentro deste mar ou desta casa ou quando todas as nuvens ficam carregadas de chuva. Mas depois as gotas vão caindo e eu vou ficando melhor, o escuro das ondas vai desaparecendo e eu vou ficando melhor. Fico melhor quando estou segura, quando olho para as luas que me guardam, quando passeio pelas areias branqueadas do fundo do mar... Fico melhor quando falo de mansinho, sem pressas neste caminho.

Agora, diz-me, como é sentir as gotas a unirem-se a este mar?


É sentir a minha chegada prematura, a escuridão que invade a longa imensidão do meu peito, a ausência do que nos foge por entre as mãos e passam a meras algas perdidas sem destino, é guardar um álbum de recordações de entre as réstias das mágoas que nos instruem... é a tristeza de saber que um dia voltarei à rancorosa tela, onde tu me pintas rodeada de abraços e de coração solitário, de olhos tristes e adormecidos... Em breve chegará a hora da minha partida, tomarás as rédeas deste reino, torna-te fogo, torna-te luz... que lá de cima te pintarei!


Não há breves nem outros tempos condicionais. Só há uma tela que eu vou esboçando com traços de tinta de chuva. Enquanto pinto, as gotas caem-me para os olhos adormecidos e dou asas à criação. Com ou sem mérito, pinto. Pinto-te. Rodeado de abraços tão fortes, mas sem rancores ou olhos tristes. Os teus brilham quando encontram o primor dos meus traços ou as ondas da tela que inspiram os meus e os teus sussurros. Também os ouves, porque és sábio. E a voz, pequenina, fala-te do sonho e da esperança, fala-te do dom das gotas invisíveis de palavras. Gostas da música?



Catarina&Marco Martins


Sentidos completados em palavras. Que o gosto continue…