sábado, maio 23, 2009

Saber que sente


Não percebe como sente, mas sabe que sente um rodopiar de anestesias bem no interior.

É um sentir inquietante, envolvente, imprevisível.

É uma onda de mar a escarpar as rochas e a levar areia do caminho.

Não se pergunta, porque tem-se medo da resposta e não se fala, porque não se sabe a melhor forma de sussurrar.

É um bálsamo quente e frio que deixa um rasto seco na garganta.

Intrinsecamente tudo é explorado e as mãos ainda que invisíveis percorrem aquele rosto como se uma cegueira enorme existisse.

Não se pede, porque as margens não se encurtam, mas ouve-se.

Ouve-se todo o olhar fundo e toda a dificuldade que há em olhar para não sentir, ouve-se o sorriso de uma criança que existiu, ouve-se uma música sempre que se lembra de uma noite e ouve-se um abraço quando se sente que valeu a pena.

Não percebe como sente, mas sabe que sente tudo de algumas maneiras.

Saber que sente é saber que há um vazio ainda por completar.

quinta-feira, maio 14, 2009

Eu velho, tu criança


O tempo é marcado pelas nossas duas vidas. Eu velho, tu criança. Levo-to como se me pertencesses e como se eu pertencesse a alguém. Talvez pertença ao caminho percorrido, que tu olhas com admiração ou talvez pertença às raízes das árvores que me acompanharam sempre. Tu pertences a ti mesmo, à simplicidade do teu olhar, à inocência das tuas palavras, à rebeldia dos teus actos. És uma criança que corre mais do que aquela bicicleta que eu usava para te ir buscar, mais até do que a corrente daquele rio que nascia bem perto da minha casa.
Hoje sinto-me a desequilibrar na bicicleta, as minhas pernas estão pesadas e estou sem forças para prolongar o teu ritmo de vida… Talvez pudéssemos trocar de papéis: tu conduzes-me e eu deixo-me conduzir. Mas, saberás o destino que tenho que tomar? Mesmo criança, saberás que é longínquo, mas também saberás que o assobio do vento, os suspiros da lua e os sorrisos do Sol te levarão sempre até mim. Basta sentires tudo isto enquanto pegas na minha bicicleta e me vês atrás de ti ou à tua frente. Sei, que haverá dias que serei eu a levar-te para casa e haverá outros que serás tu a levar-me para o céu.


A linha do teu olhar cruzar-se-á sempre com a minha naquela que é o fim da linha do nosso tempo. Eu velho, tu criança.