quinta-feira, dezembro 23, 2010

Voltem mais tarde


Como disse, é um monólogo. Não por me faltar alguém para o diálogo.

Esta revolta interior surgiu há muito. Tem dias que está adormecida, outros acordada. Ela vem de eu sentir que não pertenço a este mundo, por todas as mágoas que ele tem. Não sou perfeita e tenho noção que também eu provoco mágoa ou dor, por vezes. Mas a questão está para além do “eu”.

Começa tudo por um processo engraçado: a junção de dois gâmetas numa probabilidade que demoraria mais de mil anos a contá-la. Sem nos apercebermos temos uma família, uma escola, uns amigos, uns professores, uns desconhecidos, uns livros, umas músicas e tantas outras coisas que condicionam quem somos. Não nascemos livres, é certo!

Imagino-me num fado diferente: poderia ter sido bailarina e integrar o mais belo “Lago dos Cisnes” ou poderia simplesmente não ser “nada”: nascer desterrada e ser ignorante. Nunca ninguém é “nada”! E ser ignorante pode ser uma bênção.

Vivemos como se fossemos imortais. Adiamos sempre tudo, porque achamos que temos sempre tempo de recuperar e de viver. Perdemos pessoas, sem perceber bem, ficamos calados quando deveríamos dar, por exemplo, “Parabéns”, sorrimos por hipocrisia. Tantos e tantos exemplos mais…

Irei elaborar uma hipótese com argumentos. Mas, sinceramente, não sei se conseguirei demonstrar o que queria demonstrar. Tenho medo de não ser capaz de desenhar um quadrado pequeno com o interior preto, no fim.

...

As cortinas fecham. Não há plateia. É apenas um ensaio. Voltem mais tarde


P.S. *Neste Natal, que se celebra “2010” anos do nascimento de Cristo, quero que a luz que tanto se vê por aí (mas tens outra bem maior escondida dentro de ti) nos faça viver como mortais: com a certeza que temos que viver felizes... porque um dia a felicidade pode tardar.

E a felicidade tem diversas formas!

domingo, outubro 31, 2010

Parede de vidro


Só uma parede de vidro nos separa.

Vejo-te a cair devagar, com força, devagar outra vez. Levantas-te e evaporas. Fazes barulho e fazes-me pensar e lembrar o que já foste: simples vento a rodopiar em folhas de palmeiras altas. Adormeces-me a sussurrar “Era uma vez...”. Nunca oiço as histórias até ao fim; sei apenas: se a história tiver um final cinzento, o dia será cinzento; se a história tiver um final branco, o dia será de luz. Às vezes acordas-me com pequenos plins. Às vezes, assustas-me e tenho medo; escondo-me em mil mantas e rezo para que te vás embora rápido. Outras, contemplo-te e saboreio-te; olho para ti olhos nos olhos e sinto que fazes parte desta Natureza-Mãe e que és vida.

Só uma parede de vidro nos separa.

Serás grande e partirás este vidro, invadirás todo o espaço e eu boiarei nesse mar. Poderei sentir-te na pele. Irás desfazer-te assim que te tocar com as minhas mãos, mas sei que és real, mesmo sendo transparente. Sonatas de chuva tocarás para sempre e eu irei sorrir e bailar com a tua música.

Gosto de chuva, mas não gosto de paredes de vidro.

sexta-feira, outubro 15, 2010


Céu: azul de mim a volupiar por todos os cantos de significado.

E eu a saber: sim, tem que ser, vai ser.

E eu a pensar: Espera mais um pouco, está quase. Não vês este azul? É o meu azul, é aquela parte de mim.


Rio: azul de mim a refrescar o que me queima.

E eu a saber: este ardor a acabar por sentir mais.. mais perto.

E eu a pensar: É hora de ir. Para aquele longe para trazer a serenidade.


Azul: azul de mim a segredar o comum entre dois.

E eu a saber: 1+1=infinito

E eu a pensar: Percebes? Os factores aleaórios têm média nula. Sem medo, por isso!


P.S.*Quando temos o azul nas mãos o que lhe devemos fazer?

sexta-feira, outubro 08, 2010

Palavras feias


Desculpem. Hoje apetece-me dizer palavras feias. Daquelas que são trapos velhos sem cor. Daquelas que perdem qualquer sentido depois de ouvidas. Daquelas que não se tocam e que não ficam bem numa menina. Daquelas que nos engolem os pensamentos e que nos fazem libertar da pressão. Daquelas que são um escape instantâneo. Daquelas que fazem dar um murro na mesa e apetecer dar mais... mesmo doendo.

Porque tudo faz parte de um imenso desejo de ser tudo e de ser tão limitada a este tudo. Primeiro com o tempo, depois com a minha ansiedade, depois com os acasos, depois com as circunstâncias burocráticas da vida.

Já chega, não? Porquê?

Um pouco mais de céu, talvez!

quinta-feira, setembro 09, 2010

Mestres


Um simples toque de mãos e percebe-se a dureza de uma infância, de uma vida. Com vergonha pela diferença de texturas havia crianças que não me queriam dar a mão. Notei pelo toque que a palma das meninas e dos meninos tinha pequenos calos junto ao início de cada dedo.

E eu a pensar: E as minhas mãos de princesinha quando era criança, quando brincava com bonecas e pensava que o mundo era as histórias perfeitas que inventava: Não havia famílias com sete filhos e com fome, não havia ninguém doente que não tivesse cura, os pais educavam e bem-tratavam os seus bens mais que preciosos, os brinquedos eram como os meus e havia muitos para variarem as brincadeiras, os sonhos Do Que Queres Ser Quando Fores Grande eram sempre possíveis e fáceis.

E eu a acordar: a utopia da igualdade e a utopia de eu ser capaz de mudar o mundo inteiro.

E eu a aprender: se eu deixar pequenas marcas que sejam e que mudem algo em alguém para melhor, esse alguém irá mudar algo em alguém para melhor e num longo-prazo todos seremos pessoas melhores e o nosso mundo, consequentemente, também será melhor.

E eu a questionar: e se alguém quebra este ciclo do bem? Alguém responde: quando algo quebra, há sempre alguém que segura e multiplica o bem. E eu acredito!

Com todos os motivos para não sorrir e não ser feliz, estas crianças com calos nos dedos ensinaram-me a retribuir cada sorriso com um sorriso mais rasgado e um abraço mais apertado. Elas não vivem de futilidades; elas são Mestres que nos dão grandes lições de vida. O essencial está em cada um de nós e só se vê com o coração.

Sentir o tacto é sentir o importante.


P.S. *Os meninos da foto eram estes Mestres. Como brinquedos tinham estas motos de esferovite.

segunda-feira, julho 26, 2010

Até já :)

Saudades: Família. Amigos. Casa.
Perto. Sempre.
Com Amor.

Volto mais tarde.

Até já :)
Catita

P.S. *"A vida não vai parar,
vai como o vento,
tens tudo a dar
não percas tempo.
Podes saber
que vais chegar
onde Deus te levar".

sexta-feira, junho 18, 2010

José Saramago, a criança que adormeceu numa flor


A professora lia com os olhos arregalados de prazer aquela Maior Flor do Mundo. Nós ouvíamos, ainda tão crianças, sem perceber bem. O tempo foi passando e um outro professor lia com uma voz altiva e teatral as falas dos dois seres do Conto da tal Ilha Desconhecida. Pedir um barco ao rei, como um pequeno obséquio, limpar barco bem limpo e rumar, eles sabiam bem, até à ilha desconhecida. Eu ouvia e já começava a perceber. Outra professora, também com os olhos grandes e expressivos, lia com uma vontade enorme de também voar numa Passarola com uma tal Blimunda e um tal Baltasar. Eu lia e deliciava-me no sonho, nos olhos daquela Lua que tudo via em jejum, que escondia todas as noites um pedacinho de pão debaixo da almofada para não ver por dentro Baltasar: um prova de amor, um acto de heroísmo que é consumado quando ela recolhe a alma de Baltasar julgado em praça pública. Neste tempo, já eu percebia o que o mestre escritor queria dizer ao leitor.

Hoje, José Saramago voou na passarola que quis construir e mais de duas mil almas colhidas dentro de frasquinhos voaram com ele. Ele continuará a viagem e será o velejador daquele barco voador. Ouve-se uma sonata de Scarlatti e tudo sorri.


P.S. *Porque hoje um dos Maiores Escritores Portugueses partiu. Porque em miúda ele entrou no meu cantinho da literatura e ganhou grande estima minha. José Saramago, a criança que adormeceu numa flor.

sexta-feira, junho 04, 2010

magnólia de neve


E um dia voltou a nevar. Assim do nada. Aqueles flocos eram um gelado a deslizar pela garganta e a limpar a transpiração do calor. Os tons foram todos eles pintados pela cor branca. A praia foi preenchida por um imenso manto branco e todas as águas desceram graus Célsius. Os ramos das árvores brotaram flores brancas de cristais de neve e pareciam algodão a flutuar no alto. Todos os animais se esconderam em esconderijos improvisados e hibernaram, mesmo os que nunca o tinham feito, encostados uns aos outros. A meteorologia não conseguia prever o término desta alteração repentina. E Os Homens espreitavam à janela para ver quando a neve atenuava, na esperança que ela caísse cada vez mais. Já há muitos anos que não caia neve e eles queriam aprender e ensinar a saborear toda a magia que um floco de neve pode ter. Muitos já se tinham esquecido que a neve já foi um simples suspiro de um amante, uma simples gota numa folha de uma magnólia, um pedaço de iceberg na Antárctida. Muitos lembraram-se que… Um floco de neve pode conter uma história milenar. Um floco de neve pode conhecer-nos vistos do céu. Um floco de neve pode ser um pedaço branco da mente de cada um. Um floco de neve pode saber os nossos segredos. Ainda assim, eles não ficaram com medo, porque os flocos não tinham boca para contar e os olhos, esses, estavam cansados para serem expressivos. Dormiram, por isso, descansados.

sexta-feira, abril 09, 2010

sozinho


Andou à chuva e quando chegou tomou um banho bem quente. Era para aquecer a sua alma que andava tão fria. Dos seus olhos saiam pequenas gotas que se confundiam com as que lhe corriam do banho. Estava com a garganta a rebentar em gritos fechados. As pernas ficavam cada vez mais relaxadas e as mãos estavam quietas e tinham medo. Medo de não serem capazes de tactear a felicidade do rosto outrora bem viva. Os pensamentos com a água a correr ficavam aos poucos adormecidos e isso fazia-lhe bem. Precisava deles a dormir para poder descansar e não pensar em nada, como se sempre fosse possível.

Descansou, descansou até o corpo lhe pedir Volta! Anda!. E ele ouviu o apelo. E Voltou. A primeira razão a voltar era por si, por ser uma pessoa e por estar a querer sair do lugar onde estava. E Andou. até outro espaço que queria e que se sentia bem. A segunda razão era mais do que o seu patamar individual, era o que lhe dizia fazer tanta falta.

E com isto, estava a recuperar do encadeamento das luzes do que passou... e ainda bem.


P.S. Sem altos e baixos uma montanha não seria uma montanha e uma vida não seria mais do que um conjunto amorfo de nadas.

sexta-feira, março 19, 2010

Eclipse


Uma explosão de cores (repentina) de distância.

Como qualquer explosão que acaba, que magoa no início, que deixa um rasto na memória frágil, avesso ao risco, à ingenuidade, à fragrância. Como qualquer arco-íris com todas as cores deste mundo: invisivelmente espectrais.

Uma explosão de sons (repentina) de ausência.

Uma balada quente, sem espaço para ouvir passos pequeninos de crianças a deambular com sono. Um silêncio duradouro, calmo, quieto, inseguro, meu. Umas frases rosadas a contar números de cor até ao infinito, sem cansaço.

Uma explosão de toques (repentina) de saudade.

Ondas a fazer cócegas aos meus pés e eles a rirem muito. Limpar a cara de chocolate com a mão e sentir a delícia do cacau. Sacudir a areia de uma concha e pegar numa pequena alga com aquela forma.

E quando eu voltar a abrir uma caixa, onde fechei o eclipse, uma nova explosão surgirá. Não será de distância, de ausência, de saudade. Apenas de sorrisos.

domingo, fevereiro 28, 2010

Proporção



Se hoje eu contasse o fim
Deixaria de ter graça.
O céu é o limite.
Mas é o meu?


(Quando as palavras são pequenas e grandes na proporção 1:4)

segunda-feira, janeiro 25, 2010

Dupla

(sem imagem, porque não há memória)

Esquecer. Era este o pedido. Breve e simples. Tão simples como pegar numa folha de papel e numa grafite e tentar riscar os momentos e só me sair um rosto, duas mãos, três marés. E depois das marés vem o desejo de me lançar ao mar e de com ele redescobrir as histórias perdidas lá no fundo.

O mar é o homem do tempo. Do tempo de sempre.

Vou-lhe escrever uma carta e pedir que me relate histórias como a minha. Vou-me sentar numa praia e vou ouvi-lo até eu me esquecer da minha história, até eu só saber de histórias de outrem. Depois, vou embora e vou traçar um caminho na areia para ser levado por uma onda, como se tudo pudesse ser apagado e alisado de novo.

A areia é a Mulher do tempo. Do tempo de sempre.

Vou-lhe escrever um postal a agradecer por ter concretizado o pedido breve e simples. Ela vai ficar contente por eu ter lembrado de ter esquecido. Depois, irá esquecer o meu postal e ele será levado até às profundezas do mar. Por lá irá ficar até alguém voltar a querer ouvir histórias como a minha.

E tudo será um ciclo. Um ciclo que começara com Esquecer e que acabará com o “Lembrar de alguém”. Por mais que a areia seja do tempo de sempre, o mar também o é, e o que um esconde, o outro guarda.