quinta-feira, dezembro 31, 2009

Ano Novo


A música lava-me num tanque de estrelas caídas do céu. Elas adocicam-me o corpo e sinto-me bem a boiar nessa água. O meu coração bambaleia segredos e sorrio.

A água quente deixa as memórias numa liberdade imensa. Desaparecerão por momentos. Depois oiço, elas voltarão, se quiseres!, mas terás que ir à procura delas.

Continuarão a dançar alegremente e sem medo numa das gavetas das memórias; o volume da música irá se reduzir cada vez mais e elas adormecerão para um sempre. Depois oiço, se não quiseres que elas voltem, não as acordes, ruma a novos espaços e tempos e elas não terão saudades do que conheceram.

Tranquilas umas sobre as outras, elas ficarão a proteger-se do gelo e da areia. Oiço, elas terão um sorriso na cara enquanto dormem e tu saberás que há algo a sorrir, mas não te lembrarás onde viveste esses sorrisos e ficarás curiosa e sorridente.

Oiço, será melhor assim por agora.

Oiço, terás que aprender a saborear essa ausência de uma mão cheia de nada e outra tão cheia de tudo.

Oiço, encontrarás o equilíbrio e as tuas mãos ficarão de igual medida.

Oiço, estás a crescer.

Enquanto as estrelas continuarem no tanque eu não vou querer sair da água morna.

P.S. *Neste ano ano que se aproxima fica o desejo de eu poder continuar a crescer e banhar em banhos de estrelas.

*Óptimo 2010 para todos os que me lêem.


sexta-feira, novembro 13, 2009

Pensamento


Ritmar a nossa vida com memórias materiais, e não apenas mentais, é lembrar sempre de alguém que passou pela nossa casa “Ser pessoa”. É deambular pela história de vida e sorrir por ler uma carta, por ver uma fotografia, por cheirar um perfume, por ouvir uma música. É saborear a nostalgia de tantos momentos que vagueiam pelas divisões da nossa casa.

Gosto de enriquecer a minha casa como todos aqueles que me cativam com o agrado de uma surpresa boa. Gosto também de partilhar a minha riqueza pessoal especialmente com quem me acolhe e com quem eu acolho. Para mim, estes meus gostos, são importantes. São uma das minhas formas de reflectir como vivo a amizade.

Com tudo o que experienciamos marcamos no nosso mapa todos os pontos importantes. Tenho a certeza que tudo valeu a pena e que no fim do caminho o mapa de cada um terá pontos comuns com outros mapas. São estes pontos de intersecção que alentam a minha vontade de existir comigo e com os outros.

Tenho dito.

P.S. *Nós somos tanto... e o sonho permanece :)

sábado, outubro 17, 2009

Frio


Frio. E os teus abraços distantes de calor. Mel de dias de sol e manhãs frescas do teu olhar.

Frio outra vez. Cobertor castanho de pelo macio para adormecer.

Limpar da memória todo aquele tempo de sonho e viver o que foi escolhido, o que foi imposto sem eu saber bem por quem.

Perfume de primavera e folhas de Outono. Folhas amarelecidas iguais ao esquecimento e à ausência.

Cascata de água gelada e simples toque de aproximação. Que mais será um princípio?

Ser um rio ou uma nuvem ainda é a minha dúvida. Ontem fui um rio, ontem fui uma nuvem a quer chorar.

Hoje sou uma perla a bailar num mar, uma metamorfose a eclodir no céu.

Pés de cristal não partem e vozes de encenação não se ouvem.

Continuarei calada sem escutar qualquer murmúrio de tuas palavras até, quem sabe…, o nosso juízo final.

sexta-feira, setembro 18, 2009

Uma flor a querer vida


Estávamos sentados e sentíamos que íamos partir. Eu adivinhava a distância, tu a ausência que se avizinhavam. Aquele relógio contava dois minutos. Foi o instante de tempo que mais rápido passou por mim. O ponteiro dos segundos acelerou muito e num ápice largamo-nos como se fossemos duas peças partidas de um só puzzle. Eu entrei, tu caminhaste lado-a-lado com os teus pensamentos e o ponteiro retomou o seu ritmo. Eu fiquei comigo e com as minhas palavras e deixei-me adormecer num sonho inacabado.


Hoje abri os olhos.

Reparei que apenas um pedaço do sonho existiu.

Hoje esqueci aquele relógio e as últimas palavras recônditas ao ouvido.

Hoje o dia estava cinzento e todo aquele fado tocado imperava nos assobios das aves.


Lembrar-me de tudo e deixar páginas em branco é ter medo de reescrever uma história de crianças. O vento irá levar-me para onde ele quiser e para onde eu quiser... não sei se irá voltar. Tudo ficou como uma flor a querer vida.

domingo, agosto 09, 2009

Mudar


(Sem imagem, porque há memória)


Se tudo se assemelha a um livro, um novo capítulo foi começado a ser escrito. Desta vez com novas cores e com uma nova caligrafia. Deixou tudo de ser racional e amargo. As folhas ganharam uma nova essência. Uma essência inocente e magistral. O livro está mais rico, com uma alma de sonho e com poucas reticências. Uma borboleta eterna começou a ser desenhada e sorri cada vez que adivinha os pensamentos dos compositores de histórias com sabor a água de escorrega. Não há poemas, mas há poesias e há prosas com mil dons de perfeição. É uma história muito mais do que original.

Cheira a natureza e tem gosto a manhãs de Sol. Uma delícia para quem sabe ler.


P.S. "De quantas graças tinha, a Natureza/Fez um belo e riquíssimo tesouro,/E com rubis e rosas, neve e ouro,/Formou sublime e angélica beleza." Luís de Camões

terça-feira, junho 23, 2009

O que há


O caminho era coberto pelas ramagens das árvores seculares e estava escuro. Os passos eram curtos porque o silêncio não deixava que o vento afastasse uma alma. Os passos eram curtos para ficarem cravados no chão daquela terra. Os passos eram curtos, porque a noite permitia a espera. E lá estava sem relógio e sem tempo.

O tempo devia sempre parar quando os passos se encurtam. Os relógios deviam dissolver-se sempre que o tic-tac deixa de se ouvir.

Parado, quieto, sossegado, de pé, com um sorriso enigmático e mais qualquer coisa.

Saber interpretá-lo era saber entender uma ave a chorar, era saber sentir a finitude dos momentos.

Alguém também sorria, para retribuir, e sentia-se pequeno naquele mundo colossal e complexo e sentia-se protegido e bem e tranquilo. Era a mistificação do oculto, era a mestria das horas, era o significado do belo… tudo unido numa só ramagem de árvores e num só caminho de pó.

O pó não devia cegar-nos.

Os braços enlaçaram-se como outrora e os sorrisos alienaram-se para sempre. Os passos continuaram pequenos, dois a dois, e o caminho permaneceu escuro e mágico pela noite.

Somos feitos de finito. Eles de infinito.


P.S. Uma vez alguém dizia qu eu escrevia em sépia. Um sonho.

sábado, maio 23, 2009

Saber que sente


Não percebe como sente, mas sabe que sente um rodopiar de anestesias bem no interior.

É um sentir inquietante, envolvente, imprevisível.

É uma onda de mar a escarpar as rochas e a levar areia do caminho.

Não se pergunta, porque tem-se medo da resposta e não se fala, porque não se sabe a melhor forma de sussurrar.

É um bálsamo quente e frio que deixa um rasto seco na garganta.

Intrinsecamente tudo é explorado e as mãos ainda que invisíveis percorrem aquele rosto como se uma cegueira enorme existisse.

Não se pede, porque as margens não se encurtam, mas ouve-se.

Ouve-se todo o olhar fundo e toda a dificuldade que há em olhar para não sentir, ouve-se o sorriso de uma criança que existiu, ouve-se uma música sempre que se lembra de uma noite e ouve-se um abraço quando se sente que valeu a pena.

Não percebe como sente, mas sabe que sente tudo de algumas maneiras.

Saber que sente é saber que há um vazio ainda por completar.

quinta-feira, maio 14, 2009

Eu velho, tu criança


O tempo é marcado pelas nossas duas vidas. Eu velho, tu criança. Levo-to como se me pertencesses e como se eu pertencesse a alguém. Talvez pertença ao caminho percorrido, que tu olhas com admiração ou talvez pertença às raízes das árvores que me acompanharam sempre. Tu pertences a ti mesmo, à simplicidade do teu olhar, à inocência das tuas palavras, à rebeldia dos teus actos. És uma criança que corre mais do que aquela bicicleta que eu usava para te ir buscar, mais até do que a corrente daquele rio que nascia bem perto da minha casa.
Hoje sinto-me a desequilibrar na bicicleta, as minhas pernas estão pesadas e estou sem forças para prolongar o teu ritmo de vida… Talvez pudéssemos trocar de papéis: tu conduzes-me e eu deixo-me conduzir. Mas, saberás o destino que tenho que tomar? Mesmo criança, saberás que é longínquo, mas também saberás que o assobio do vento, os suspiros da lua e os sorrisos do Sol te levarão sempre até mim. Basta sentires tudo isto enquanto pegas na minha bicicleta e me vês atrás de ti ou à tua frente. Sei, que haverá dias que serei eu a levar-te para casa e haverá outros que serás tu a levar-me para o céu.


A linha do teu olhar cruzar-se-á sempre com a minha naquela que é o fim da linha do nosso tempo. Eu velho, tu criança.

quinta-feira, abril 09, 2009

Um chá


Talvez um chá pudesse ajudar ou mesmo a tua voz. Sentir que o vento tudo levou e que as pegadas do teu rosto desapareceram com o meu toque na terra. Real. Isto é real, não é pura imaginação do teu ser nem do meu. Não lembrar de quando foi o último gesto é lembrar de um olhar abatido e vazio. Mais vazio do que uma cadeira de pernas para o céu, mais vazio do que um jogo de xadrez sem rei, mais vazio do que um copo sem água. Poderia ter sede desta água ou esperar que gota a gota caísse no copo para eu poder bebê-la pelo raiar da nossa manhã de vida. E poderia esperar por este dia e desaparecer na tua eternidade que nada, nada do que pensámos seria diferente. O teu modo condicional impõe-se a mim e por mais que me queira afastar os pólos são opostos e sem dar conta, uno-me cada vez mais. Talvez um chá pudesse ajudar a revolver o magnetismo da nossa presença.
a tua voz não é quente.

quarta-feira, março 18, 2009

Voo de distância



Antes a história era assim:
Era uma vez…


…Um pássaro…

Um pássaro sem medo do vento, do sol, da noite, da chuva. Um pássaro tranquilo e ao mesmo tempo tão preocupado em fazer a sua rota. Um pássaro que pára para descansar e encantar pela sua voz. Um pássaro ousado pela vida.


...Um canto…Um canto que uma noite surgiu do absoluto. Um canto que transparece em palavras e em imaginações. Um canto com alma e essência capaz de saber sorrir e segredar segredos sem fim. Um canto afinado e vivo.


...Um voo... Um voo minucioso, colorido, especial. Um voo aliado a asas de algodão em busca de um castelo longínquo. Um voo com vontade de voar mais e mais, sem olhar para trás e sem pensar nos condicionalismos que há. Um voo autêntico de uma ave rara.


Agora a história é assim:


Era uma vez estes pensamentos e era uma vez em que estes pensamentos se tornaram irrisórios ao ponto de eu deixar de acreditar neles. Era uma vez o pássaro que voou por querer voar sem saber cantar um canto de explicação. Era uma vez um voo de distância. Era uma vez um aproximar exigente. Era uma vez um sonho meu.

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

Hoje não


Sem chão, sem terra firme. Um pouco assim me sinto por não saber o que pensar, o que dizer, o que esperar. Saber que pode ser mágico não atenua o pedaço de mim. Podia precisar de janelas e portas para fugir, podia precisar de réstias de noite para me afundar e cair no vazio, no infinito simbólico que existe. Mas, hoje não há janelas nem portas nem réstias de nada; hoje só existo eu, apenas eu comigo e com os outros e com Alguém, não eu contigo, eu sem ti.

Hoje fico a pensar que o meu chão ficou invisível, e que não vou cair mesmo não vendo o chão e que não vou falhar mesmo sabendo que já não existes, mesmo sabendo que queres que eu sinta que já não existes. Hoje não vou tropeçar mais uma vez, hoje não me vou demorar nas minhas poesias abstractas com aquele sentido, hoje não vou confiar no que é dito sem escutar o essencial com os meus olhos. Hoje não.

Este hoje com sentido de futuro e com sentido de mim com um chão balanceado.

terça-feira, janeiro 27, 2009

Acaso


Por um olhar, por um sorriso, por uma noite, por uma dança.


Acaso.
Anonimato.
Aparente esquecimento.
Acaso outra vez.
Vêm…


Palavras, sonhos, rumos, estrelas, bússolas, neve. Neve branca como eu ou tu. Bússolas para o mesmo norte. Estrelas para o brilho permanecer. Rumos de acaso. Sonhos de amanhecer. E. Palavras, tantas palavras, tantas que me dão mestria e significado a estes dias.


Nada é efémero quando é possível parar o tempo e lembrar e não esquecer do vivido e do sonhado. Nada é efémero quando eu existo e sinto que alguém também existe. Nada se perde também, apenas nos moldamos continuamente. E somos moldados. Não somos esquecidos, somos queridos por um alguém. E é este “querer” que permite sorrisos simbólicos e desejados e olhares que falam mesmo havendo aquele ou outro silêncio.

Às vezes não precisamos perceber; às vezes, basta sentir e navegar no mesmo “calmo mar”.
Catarina

quinta-feira, janeiro 08, 2009

Indefinição infinita


Não ter voz e por isso tocar. quase como o vento, levemente. As mãos suaves trazem as melodias do que se quer escutar e a porta abre-se e o som ecoa por todo o espaço. O gelo parte e um êxtase existe. Querer que a melodia fosse infinita, que o som perdurasse o tempo de uma vida inteira e mais do que isso que alguém ousasse esperar pela última pauta de notas. Querer isto e nada mais. a felicidade, a entropia inexistente. Querer que me possas ensinar a tua música, o teu olhar esbranquiçado e a tua apaixonante forma de ser. Querer tanto e saber que este querer não vai bastar. Nunca bastou. Basta.


Catarina


P.S. Apetece-me fechar todo o céu em mim...