Lembro-me daquele tempo. Da
esperança que a vela do Natal nos dava.
Acordávamos três na mesma cama.
Eu e os meus irmãos. Levantávamo-nos com a energia de crianças felizes. Íamos
para o soito de manhã. À tarde o nosso pai dava-nos tréguas.
Brincávamos.
Anoitecia.
Voltávamos para casa. A lareira
acesa pequenina aquecia a cozinha, onde todos comíamos. Cheirava a bacalhau
cozido, a batatas cozidas e a couve do Natal também cozida. O azeite por cima e
parecia que estávamos a comer a melhor iguaria do mundo.
Saíamos para a missa. Com os
sobretudos agasalhados, que passavam de uns para os outros. O Galo cantava à meia-noite
e o incenso abstraia o cheiro do frio. Rezava pela noite que aí vinha e pelos
dias futuros que queria não serem de frio.
De seguida íamos para a fogueira
no largo da Igreja. Aquecíamos as mãos, a cara e o corpo. E ali voltávamos a
sonhar, com os olhos vidrados no fogo e com os sorrisos e gargalhadas que nos
saíam.
Voltávamos para casa para
adormecer. Mas antes, escolhíamos a nossa melhor meia para colocar na lareira,
com a esperança de ela poder ficar presenteada naquela noite. A minha mãe
acendia uma vela. Adormecíamos felizes, felizes a sério.
Acordávamos três na cama. Mais
uma vez, numa repetição consecutiva de dias até algum crescer e casar. Saltávamos
de repente numa corrida até à lareira. As meias pareciam iguais, do mesmo
tamanho, sem alteração. Mas, tocávamos nas meias e havia mágica. Por entre lãs
entrelaçadas sobressaiam uns rebuçados. Ficávamos felizes, felizes a sério.
Guardávamo-los para comê-los no final do almoço como sobremesa.
Abraçávamos as pernas da nossa
mãe, num obrigado sincero. Enquanto nós lhe aquecíamos as pernas com o abraço,
ela preparava-nos filhoses. A casa cheirava a filhoses acabadas de fritar.
Salivávamos agora para poder comer aquele doce com o leite quente.
Lembro-me daquele tempo. Dos
pormenores todos. A felicidade que tinha dentro de mim pelo tão pouco que
precisávamos. Hoje vou voltar a acender a vela. Hoje vou voltar a comer um
rebuçado. Hoje vou voltar a rezar. Hoje vou ser o menino de ontem. E vou ser
tão feliz. Feliz a sério.