sexta-feira, abril 08, 2011

Inútil

Devias ter uns cinquenta anos e estavas ali: inútil, sujo, perdido. Andavas de um lado para o outro; não percebi à procura de quê. Pensei num cigarro, numa sandes ou num simples diálogo. Perguntava-me se saberias falar. Perguntava-me se saberias escrever. Perguntava-me se saberias pensar. Perguntas, obviamente, estúpidas.

Pousaste as tuas coisas, presas por cordéis, no chão daquela praça. Tinhas pouca coisa: um garrafão vazio e ma espécie de mala de documentos, onde presumo que trazias alguma roupa. Sentaste-te e trocaste de sapatilhas. Trazias umas all-star sem meias, e estava calor, muito calor. Bebias água de uma garrafa de litro e meio e a tua camisa estava semi-aberta e eras magro. Voltaste a andar de um lado para o outro. Talvez para seres visto, para saberem que existias. Custava-me olhar para ti e ao mesmo tempo não conseguia desviar o olhar. O teu era triste, magoado, sem rumo.

Gostava de saber da tua história, mas esta sociedade não permite, estes “pré-conceitos” não permitem. Olhava à minha volta e ninguém se apercebia de ti, ignoravam-te como se fosses uma pedra: amorfo a tudo. E estava ali tanta gente a conversar como se o mundo fosse apenas aquele pedaço de tempo ao redor de umbigos bem limpinhos.

Comecei a pensar no que aconteceria se te sentasses numa daquelas mesas da esplanada… O empregado, certamente, que te iria espantar, porque tu irias espantar clientes… O empregado, certamente, que te iria querer matar, mas lembrar-se-ia que isso era crime. Acabarias por te ir embora e cada vez mais triste por ninguém te querer bem.

Não contei quantas voltas deste de um lado para outro. Mas, cada vez que te chegavas para o lado direito, eu tinha medo. Medo do desconhecido.

Ninguém te ligou nenhuma. E acabaste por ir embora.

E se tinhas fome? E se tinhas saudades? E se tinhas solidão? Ninguém quis saber… e eu também não.

Desculpa-me também a mim. Desculpa-me a cobardia.

P.S. *O primeiro espaço sugerido para tomar o café foi aquele (o espaço PR). Mas, antes de nos sentarmos naquela esplanada, percorremos dois cafés onde não havia lugar para nós. Disse na brincadeira que estava escrito que teríamos que ir para a esplanada do espaço PR, porque iria acontecer alguma coisa. Não sei se acaso ou não. A verdade é que me marcou este vaguear vagabundo. Fez-me pensar o quão é triste esta nossa sociedade e o quão é triste o egoísmo que vivemos e o quão é triste a falta de amor para com os outros e para connosco próprios.

2 comentários:

Anónimo disse...

" I am invisible, understand, simply because people refuse to see me. "


Também já tive um dia assim, em que cheguei a casa zangada e desapontada comigo, por ter ignorado, por não ter feito nada, por ter pensado que era só mais um a fingir que o que pedia era para comer quando na verdade queria um cigarro ou algo do género. Vê-lo afastar-se com um olhar que nem consigo descrever fez-me achar que o que ele pedia era por desespero, por fome.

Tento acreditar que o pensar nisto, pelo menos isso, faz de mim "menos má pessoa", mas continuo à espera de uma oportunidade para me redimir, e para compensar esse estranho que me fez pensar tanto.

Vivemos numa sociedade que, como tudo, tem defeitos. E o facto de haver muitos a fazerem do "pedir" um negócio faz-nos desconfiar dos que realmente pedem porque chegam ao fim da linha.

Da próxima vez, penso duas vezes.
E acho que só por isso, o "senhor" deixou de ser invisível.

(JT)

Anónimo disse...

muito bom, já não lia um reflexão com tanto conteúdo há mt tempo...

A verdade é que cada vez mais assistimos a casos desses, e talvez deixem de ser invisíveis aos olhos da sociedade, porque comecem a incomodar a consciência de quem vê e olha para o lado...

Mané